BUSCAPÉ

terça-feira, 26 de maio de 2015

O grande baile dos que já foram


É como um daqueles sonhos onde você encontra todos os seus amigos e familiares.

Depois de uma noite encerrando a temporada, fizemos nossa festa de confraternização. Naquela noite, o palco abriu espaço para uma pista de dança onde público e elenco se uniu e dançou. Conversávamos sobre as gafes, o impacto de fazer um texto tão pesado como Marquês de Sade. Lembro-me dos flertes e das expectativas que cada um tinha para o próximo ano, pois caminhávamos para uma próxima montagem.

Naquela noite, uma adorável menina de cabelos curtos e encaracolados estava lá. Ela, dançava loucamente comigo. Meu amigo já tinha ficado com ela. Era de se esperar, pois ela chamava a atenção pela leveza e o encantamento que tinha pelo teatro. Tanto que estava sempre nos espetáculos, vendo nossas peças repetidas vezes. De admiradora, tornou-se uma colega para mim, dividindo cervejas e causos do teatro.

No mesmo espaço, estava outro ser que ultrapassava as barreiras do binário homem/mulher. Nela, havia ambos ( e quem sabe, muito mais). Um vestido longo, decote profundo. Desfilava pela pista, dançava com a parede. E flertava com uma garota que não conhecia. Trabalhei brevemente com ela numa montagem, tempo suficiente para saber de sua importância naquele espaço que estava atuando.

Neste mesmo palco, mas num outro momento, dividi cervejas, risos e causos com uma menina magricela, que distribuía abraços e de riso fácil. Trabalhamos no bar onde angariávamos dinheiro para a nossa montagem junto com o resto do elenco.

Foram em momentos bem pontuais que comunguei naquele espaço uma tal alegria que me transbordava. Lembro de cada uma dessas vezes...

Lembro também da partida de cada uma delas. Todas as três, cada uma num tempo distinto, soube de suas partidas justamente quando estava nas redondezas daquele espaço onde tempos atrás dançávamos e atuávamos.

Não tivemos tempo para uma última dança, ou a saideira. As luzes acenderam de forma repentina. Cada uma foi embora em seu tempo. Eu, e muitos outros que compartilharam aquele mesmo espaço, continuamos por aqui.

O lugar: Espaço dos Satyros 2
Seus nomes: Gisele, Bibi e Janaina.
O baile: O palco.

E vamos dançando, até o último a sair da pista.





segunda-feira, 18 de maio de 2015

Não se pode falar dos problemas do mundo sem olhar os problemas ao nosso redor




- Um devaneio sobre o espetáculo "Tareias" do Grupo Redimunho

Numa segunda feira a noite, onde a semana e o desânimo se afloram em nossos semblantes. Em um espaço no meio da cidade acontece um espetáculo. Não daqueles onde nos fechamos na segurança das quatro paredes da caixa preta teatral, mas um espetáculo onde somos levados também para os espaços desconhecidos desta cidade e nos deixando vulneráveis e entregues para todo e qualquer estímulo.

Um teatro de rua que ocorre em meio ao vai e vêm dos seres sonâmbulos das ruas, onde seres fantásticos fundem-se com pessoas reais e de intensos problemas reais. Ali, somos expostos e lembrados da violência diária, das guerras internas e externas, das pequenas mortes e de nossas mortes carnais.

Lembramos da Maria de nome simples,
Mas sem esquecer das de nome longo e composto.

Lembramos da mulher que sofre nas mãos de seu amado
Sem esquecer daquela abusada sexualmente no vagão do trem.

Sentimos o cheiro forte na urina que se funde no mármore do Theatro Municipal
E nos banqueteamos ao som de marchinhas (afinal, a vida é uma festa).

Somos conduzidos por um cortejo que, durante seu percurso, brotam imagens poéticas e que entram em choque com a realidade de uma metrópole: a bela menina que balança e quase levanta voo no viaduto do chá, tem debaixo de seus pés moradores de rua, crianças que se deslumbram com aquela imagem entre uma baforada e outra de cola de sapateiro em seus saquinhos de plástico ou garrafinhas de guaraná Dolly.

- Isso é real ou estou brisando? - Pergunta um menino que não deve ter mais que 12 anos deslumbrado com o cortejo que corta o Vale de Anhangabaú.

- Acho que é brisa - Diz o outro, aparentando menos idade. Este, veste uma camiseta vermelha com uma estampa escrita: "Sementes da criação".

Mais crianças entorpecidas pela cola se aproximam e assistem as cenas que ocorrem na rua. Se encantam, querem participar. Tudo aquilo parece ser novo pra elas, chego a pensar que provavelmente já devem ter visto o espetáculo diversas vezes, mas com os efeitos da droga pouco se lembram que o grupo passa por suas moradas cerca de três vezes na semana.

Chegando ao fim do espetáculo, uma roda se forma. Atores, público, as crianças e os transeuntes dão as mãos e cantam junto com o elenco. Não há diferenças de quem é quem. Vejo sorrisos de alegria da moça bem vestida pagante e da menina de rua de mãos dadas com ela.

Esse mundo cão em Tareias também dá as mãos ao mundo cão diluído e dilatado da cidade. E todos cantam a ciranda de nossas dores mais profundas.


Mais um dia que morremos, mas cantando juntos na ciranda.
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